Beijo do Baco

 

Dois Sátiros, Peter Paul Rubens, 1619.

Transparente no ato de olhar, curvas suaves, macias, um único orifício por onde vaza o néctar do Baco. Do vinho às verdades, crua a verdade se mostra para mim, quando te esvazio. Minha alma se esparrama em dormência a cada gole, eu mergulho no teu doce para fugir, esbaforidamente, do meu amargo, me desfaço no agarrar do sorriso contorcido de um esforço falho de me travestir da máscara que visto. Néctar do Baco, você eclipsa as virtudes do homem, puxa do âmago o nosso kakós, depreda o espírito, mas por baixo da gargalhada, então tudo se alivia.

 – Me traga mais uma garrafa!

 Eu não consigo parar, quero pôr meus lábios nos seus, te consumir – na esperança do meu execrável espírito se limpar no esquecer do rio de feridas e curas. Teu líquido desce pela garganta e contrariando a gravidade, sobe e transborda pelos olhos – que dizem ser as janelas da alma. Às vezes, tu nem transborda, mas ainda assim, desponta-se no olhar. Um último gole teu, e tu, agora, está vazio feito eu.

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